sábado, outubro 21, 2006

fragmento42


Três tipos de não ouvintes?

O primeiro tipo assegura-me que eu não tenho um problema.
Lembra-me que seria muito mais doloroso levar uma vida de abandono, ser indesejável e nunca convidado.
Às vezes penso nessa experiência desta forma: estou-lhe contando que não tenho sapatos e ele está-me respondendo que há outros que não têm pés.
Há problemas piores que os meus, sei disso. Mas de certa forma, afasto-me desse primeiro tipo de não ouvinte, arrependido de ter trazido o assunto à baila.
Essas pessoas são bem intencionadas mas obviamente não me querem no ponto em que estou. Dizem-me onde deveria estar, o que eu deveria pensar e como eu me deveria sentir. (conclusão deles: se eu tivesse a cabeça no lugar, perceberia que não tenho um problema)

O segundo tipo fica ansioso por transformar o que o falante está a dizer num problema para depois o solucionar.
Quando menciono meu próprio dilema a este segundo tipo de não ouvinte, ele sabe imediatamente o que eu deveria fazer;
“Ouve, arranja uma secretária com mau hálito e a gentileza de um metalúrgico, quer dizer, alguém que tenha a diplomacia de uma marreta. As pessoas, sabendo que terão de tratar do assunto com ela, acabarão por tirar a sorte para ver quem fará a solicitação”
Aqui também suponho que a simpatia é real e a intenção bondosa, mas quero protestar:
Eu não queria que você solucionasse o meu problema, só queria que o ouvisse. Queria que você me ouvisse. Sei que as pessoas crescem quando solucionam seus próprios problemas, não quando os submetem aos outros para que sejam sugeridas soluções.
Às vezes não é mesmo nada fácil conseguir ser ouvido.

O terceiro tipo sintoniza apenas o tempo necessário para preparar a própria bomba.
Transforma-se rapidamente no “velho multifaces”, e conta a sua história e experiências, começando no início do século (ou às vezes assim parece)
“ Sim, lembro-me de ter tido exactamente esse problema. Deixa ver, foi por volta de 1959….hehehe”
A data é importante só porque o falante frustrado sabe que agora aguentará um curso de estudos sobre a história pessoal do ouvinte que realmente não ouve.

Ao ouvir uma comunicação humana, não se recomenda que você minimize o que estou partilhando e coloque as coisas em perspectiva para mim.
Também não seria de grande auxílio interromper meu partilhar com um conselho bem colocado.
E por favor, saiba que eu não pretendia que meu partilhar fosse uma introdução a sua história pessoal.

Obrigado pelo teu tempo, pela tua paciência e pela tua perseverança.
Obrigado por quereres saber quem realmente eu sou e como é ser eu.
O teu acto paciente de ouvir e a tua percepção, asseguram-me que fui encontrado.
Sei que não estou aqui sozinho no fundo deste poço.

Kerotati

1 comentário:

Anónimo disse...

A velhinha imagem associada a Freud e a sua eterna sexualidade completamente recalcada, do meu ponto de vista...